Artigo da nossa revista “Regenwald-Report": Como os Ka’apor protegem sua floresta

Os Ka‘apor medindo suas terras com aparelhos GPS Os Ka‘apor medem suas terras com aparelhos GPS e dividem-no em diferentes zonas de uso e proteção. (© RdR/ Klaus Schenck) Cuxiú-preto O ameaçado cuxiú preto (Chiropotes satanas) vive exclusivamente no nordeste do Brasil (© CC BY 2.0) Mulheres indígenas, crianças e adolescentes em refeição comunitária em oca aberta Café da manhã na cozinha comunal dos Ka‘apor (© RdR/ Klaus Schenck) Klaus Schenck conversando com os Ka‘apor Klaus Schenck (no meio) conversando com os Ka‘apor (© Guadalupe Rodriguez) Colagem Kaapor Guadalupe Rodríguez (2a, a partir da esquerda) ao túmulo de Sarapo Ka‘apor - José Mendes na frente da placa da Terra Indígena Ka‘apor (© RdR/ Klaus Schenck) Macaco-caiarara subindo em um galho Endêmico e criticamente ameaçado Macaco caiarara (Cebus kaapori) (© CC BY-SA 4.0) Pessoas do povo Kaapor na Amazônia Ka’apor na floresta amazônica (© Andrew Johnson)

23 de dez. de 2023

Guadalupe Rodríguez e Klaus Schenck, da “Salve a Selva”, viajaram para o Brasil, para visitar as nossas organizações parceiras - dentre elas, os Ka‘apor. A comunidade indígena vive em uma das últimas áreas de floresta tropical do estado do Maranhão.

Já de manhãzinha, em Belém, as ruas estão engarrafadas. Em velocidade de tartaruga, passamos pelos edifícios altos, lojas e shopping centers, depois pela zona industrial, na única via arterial da metrópole amazônica. À direção, está o José Mendes, nosso contato junto aos indígenas Ka’apor. O sociólogo e etnólogo vem apoiando os Ka‘apor já há quase 16 anos; ele é um importante conselheiro, fazendo a conexão deles com o mundo exterior.

Quando, duas horas depois, deixamos a zona urbana para trás, a estrada vai passando por infinitas áreas de cultivo agrícola. Em vez de floresta amazônica, são pastagens que se espalham aqui no nordeste do estado do Pará, quase no limite com o estado do Maranhão. No município Centro do Guilherme, finalmente, o asfalto acaba

“Aqui moram madeireiros, pecuaristas e garimpeiros - prostituição e criminalidade são bastante comuns”, bufa o José. E assim vai, sem pausa, sobre uma pista poeirenta, por mais uma hora. Então, súbito, aparecem as colinas da floresta tropical. Uma linha quase sempre reta separa aqui o território desmatado, coberto por campos agrícolas, de um dos últimos territórios de floresta tropical do Maranhão.

Esta floresta é o habitat de muitas espécies ameaçadas

Em uma encosta, a chuva deixou profundos buracos na antiga pista dos madeireiros. Agora temos de seguir o caminho a pé. Terra Indígena Alto Turiaçu – Entrada permitida somente com autorização do Conselho dos Ka‘apor: é o que está escrito em uma placa verde nas bordas do caminho. “A placa de indicação foram eles que colocaram”, diz o José. Uns poucos metros depois, fazemos uma pausa junto ao sol poente. “Neste lugar está enterrado o líder Sarapo Ka‘apor“, ele continua. “Como ele colocou obstáculos no caminho dos madeireiros, ele foi envenenado no ano passado."

Supremo Tribunal Federal fortalece os direitos indígenas

No final de setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) fortaleceu os direitos dos indígenas. O STF rejeitou um entendimento jurídico que vinha sendo defendido pelo lobby da agroindústria e da mineração. Conforme esse entendimento, somente podem ser reconhecidos como terras indígenas, os territórios nos quais estavam vivendo indígenas quando da aprovação da Constituição Federal de 1988. Os indígenas receberam a decisão com grande alívio.

Enquanto andamos pela floresta ao crepúsculo, ouvimos os guinchos dos macacos bugios, ao longe. As Terras Indígenas dos Ka‘apor, cuja área é de 531.000 hectares, equivalem a 4 (quatro) vezes a área da cidade de São Paulo. Trata-se do lar de 2.500 Ka‘apor e de dois outros povos indígenas, a saber: os Awá e os Tembé, bem como de um número colossal de espécies animais e vegetais. O criticamente ameaçado macaco caiarara (Cebus kaapori)  e o ameaçado cuxiú preto (Chiropotes satanas) tem no Alto Turiaçu um de seus últimos habitats.

Os Ka‘apor evitam contato com o mundo exterior

Já é noite quando chegamos em Ywyahurenda. Aqui, em uma grande clareira, vivem aproximadamente 70 Ka‘apor em cerca de 20 cabanas de madeira com telhado de folhas de palmeiras. “Não se trata de aldeia, assentamento ou município”, explica-nos José. “Esses conceitos da cultura ocidental nada tem a ver com a realidade dos Ka‘apor. Chamamos as comunidades de áreas de proteção.”

Estendemos nossas redes em um abrigo ao ar livre, em seguida é oferecido o jantar. Tem bulbo de inhame, farinha de mandioca, arroz e um pouco de frango. Ao adormecermos, somos acompanhados por um indescritível concerto de gafanhotos, grilos e cigarras.

De manhã bem cedinho, algumas mulheres da aldeia já dão início à preparação do café-da-manhã. Fazendo barulho, vão lavando panelas de alumínio, preparam o fogo, cozinham frango e legumes e levam tudo para uma cabana comum aberta. Lá tem também um painel solar fotovoltaico, onde podemos carregar as nossas câmeras. Enquanto comemos, os indígenas observam-nos furtivamente. A maioria deles não fala português, até porque os Ka’apor evitam muito contato com o mundo exterior.

Sentamo-nos junto com o José e o Itahu, o líder do Conselho dos Ka‘apor. Já faz uns bons dois anos que “Salve a Floresta” vem apoiando os Ka‘apor. O povo indígena, suas terras e suas florestas encontram-se massivamente ameaçadas. Com as doações, eles compraram aparelhos GPS, com os quais medem seus territórios, que cartografam e dividem em distintas áreas de proteção.

“Como o Estado brasileiro não nos protege, temos de nos proteger por nossa própria conta e por isso, estamos desenvolvendo essas estratégias”, diz Itahu. Enquanto isso, cinco rapazes pintam o rosto de preto com fuligem. Com isso, eles ficam parecendo ameaçadores e são difíceis de identificar. Com lanças e escopetas, eles sobem em motos barulhentas e desaparecem na floresta, onde vão fazer patrulhamento.

“Centro de Endemismo de Belém”

Na parte ocidental do estado do Maranhão e nordeste do estado do Pará fica um dos oito denominados “centros de endemismo” da Amazônia. Trata-se de áreas com alto número de espécies que somente ocorrem nessa região. O Centro de Endemismo de Belém é o mais ameaçado de todos, porquanto dele somente sobraram 20%. Esses últimos 20% são justamente cobertos pela floresta dos Ka‘apor e por outras quatro Terras Indígenas, bem como uma área estadual de proteção ambiental. Sua conservação, portanto, não só tem enorme importância para os indígenas, como para a biodiversidade.

 “Madeireiros derrubaram árvores nas bordas das nossas terras”, declara Itahu. “Nossas patrulhas vão inspecionar o local e colocar um fim nessa prática ilegal. Isso pode se tornar bem perigoso, diversos Ka’apor foram assassinados por isso nos últimos anos."

“Certificados de carbono estão ameaçando nossas florestas”

Então o Itahu senta-se, com alguns documentos e um laptop na mão. “As autoridades discriminam sistematicamente os indígenas ao tentar extinguir nossas origens. Eles simplesmente registram nossos recém-nascidos com nomes em língua portuguesa nas certidões de nascimento. Aí fica fácil para políticos como Bolsonaro alegarem que mal existiriam indígenas no Brasil. Portanto, nós nos dirigimos de novo às autoridades e requeremos a correção dos nomes."

Na manhã seguinte, o Itahu dá uma entrevista para jornalistas. “Estamos sendo assediados por organizações que querem fazer negócios com certificados de carbono”, diz ele.  “Eles querem vender a nossa floresta como compensação, para que firmas na Europa e nos Estados Unidos continuem queimando energias fósseis. Esses projetos estão nos ameaçando, não queremos participar deles.”

Agora já temos de picar a mula, de novo. Nossa programação, no Brasil, é apertada, queremos visitar 15 organizações parceiras e áreas no Brasil. Isso é importante para que tenhamos uma imagem clara das pessoas com quem já estamos trabalhando juntos há muitos anos.

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